domingo, 5 de abril de 2009

Série Artigos - Cultura DJ

O entorno da cultura do dj*

Fonte:http://www.pragatecno.com.br



A socióloga e mestre em Sociologia, Adriana Prates, e o jornalista e mestre em Cibercultura, Cláudio Manoel (aka dj Angelis Sanctus) são djs. Eles entrevistam a si próprios sobre as questões da cultura do dj. Morando em Salvador, onde são pesquisadores e professores universitários, atuam no coletivo Pragatecno, que desde 1998 fixou-se como um projeto cultural no norte e nordeste para disseminar a cultura do dj e a música experimental eletrônica. Confira!



Adriana Prates - Dj é artista?

Cláudio Manoel – Há uma polêmica. Produtores eletrônicos defendem que artista é o que produz arte; e dj reproduziria, apenas. O dj está num meio campo, entre arte e técnica, um artista-técnico, pois seus equipamentos também produzem e manipulam o “pronto”. E a função da arte não é provocar sensações? Isso o dj faz com técnica e seleção musical, ondulando a sensibilidade do público.



Cláudio Manoel - Do underground ao overground?

Adriana Prates - Creio que sim. O termo overground objetiva descrever a chegada de produtos culturais underground ao mercado sem perder, porém, seu caráter artístico alternativo. Como exemplo de overground podemos citar o Punk: de repente, todas as lojas começaram a vender roupas detonadas! Isso vem ocorrendo com a música eletrônica, e, nos últimos tempos, podemos acompanhar sua apropriação pela grande mídia e pelo mercado, acarretando uma conseqüente popularização de estilos relacionados e a ampliação do público consumidor. Essa popularização envolve também, além do overground, a pura massificação, como quando ocorre, por exemplo, a produção em série de faixas baseadas em uma track que atingiu o overground. Como exemplo de overground, em relação à música eletrônica, acho que é possível citar também a realização de festivais como o Nokia Trends e o Tim: grandes eventos que possuem intenção puramente comercial, mas cujo line up é composto por djs e projetos experimentais de música eletrônica. São eventos onde a produção underground é absorvida pelo mercado e pelo grande público sem que os artistas precisem abrir mão de seu ponto de vista estético.



Cláudio Manoel - Antes se falava em tribos da e-music. Mas com essa

massificação, podemos identificar ainda essas tribos do pós-moderno?

Adriana Prates - Essa questão não diz respeito apenas às comunidades de apreciadores da musica eletrônica, visto que, de modo geral, essas aglutinações que compõem o que você está chamando de tribos constituem um fenômeno urbano disseminado, funcionando como referência identitária num ambiente complexo, caracterizado por elementos como a velocidade, a diversidade, a impessoalidade, o anonimato, a falência de valores tradicionais... O que acontece, e talvez por isso você mencione a questão da massificação, é que é praticamente impossível que essas, digamos, tribos, se mantenham no underground, visto que as grandes empresas procuram acompanhar tendências emergentes de comportamento, no sentido de circunscrever novos nichos de mercado. Aliás, não somente para circunscrever, mas também para criar esses nichos e produzir novas demandas de consumo. Esse movimento provoca alguma diluição, pois dissemina os códigos das comunidades alternativas para muito além do grupo original. Por outro lado, os sinais distintivos de tais grupos são constantemente recriados, num processo contínuo. O mesmo acontece quando uma nova tendência musical chega ao mainstream, mas as produções experimentais continuam a existir e a propor novos pontos de vista, que serão, por sua vez, novamente apropriados pelo mercado e assim sucessivamente.



Adriana Prates - Ao menos no Nordeste, a existência de coletivos foi fundamental para a expansão da música eletrônica. Agora que este tipo de música se tornou mainstream, qual seria o papel dos coletivos. E em outros países? Existem coletivos? A finalidade é/foi a mesma? Qual o papel deles para a cena?

Cláudio Manoel – Os coletivos – grupos de pessoas envolvidas com o mesmo projeto cultural – rompe com a idéia de hierarquia. A função do “líder” é diluída frente à produção cooperativa e prazerosa dos integrantes. No nordeste, os coletivos de e-music foram fundamentais para a deflagração da cena, pois significaram uma rede livre para a circulação da informação em uma região “fora” do um circuitão (SP e RJ). A internet foi e é o braço de apoio dos coletivos atuantes, ainda. Naquela época, a função principal dos coletivos era criar a rotina de eventos em torno da música underground para gerar temporalidade (rotina) e localidade (point), bases para a existência de uma cena, entendida como a superprodução exposta de uma comunidade. Foram os coletivos e iniciativas de promoters ligados ao underground que fizeram essa cena ganhar visibilidade midiática. Depois, obviamente, ela foi apropriada comercialmente – destino reservado a qualquer cena under. Lembre-se que, antes, a cultura under da e-music era negada e perseguida pela mídia e algumas instituições e até alguns promoters que hoje a tomam como negócio; hoje é fonte de lucro e geradora de agregações de valores; é mídia. Mas negação à nova música acontece desde os anos 50, com o jazz, rock and roll, reggae, punk. Antes marginais, depois massivos. A partir dos anos 90, coincidentemente com a cena dos djs, no Brasil, a produção simbólica dos grupos “das ruas” chama a atenção dos MCM e de empresas. Ora, se a música experimental é lucro, hoje, os coletivos têm uma de suas principais funções – eleger e publicizar o que é experimental – diluída. A eles, além da função de agenciamento de seus artistas, é dado como tarefa manter eventos rotineiros e conceituais, onde se podem explorar as novas pesquisas sonoras dos djs, dos músicos e as gens dos vjs. Creio também é o desafio, talvez o principal, seja: produzir música (já que a reprodução foi tomada). Produzir é essencial nesse momento, para propor novas experiências estéticas. Outro aspecto: a pouca circulação era um elemento do underground (e por isso ele existia como under e não como over). Sem dó: o underground acabou. A própria circulação é hoje livre, massiva e descontrolada, via internet e novas mídias móveis. Os coletivos não é uma experiência brasileira. Os coletivos é uma experiência global. E engana-se quem pensa que ela pertence à eletrônica. Lembre-se que em 1976, o empresário Dennis Rowe dirigia o Muscle Head (Londres), o mais famoso sound system do Reino Unido nos anos 80. E ele fazia “batalhas” de potências de eventos com outros SSscomo o Third World (NY), Sir Coxsone, Bodyguard, Afrique, King Addies e Kebra Negus. Esse clima de disputa do bem continuou nos primeiros sound systems ingleses de e-music – o que motivava e motiva (pois eles existem ainda) eram diferentes conceitos estéticos, que demarcam territórios de (sub)cultura. No Brasil, essa idéia de coletivo chegou meio pobre dentro da cena eletrônica, onde os grupos não tinham e nem eram, em sua maioria, sound systems. Os coletivos são uma pós-versão dos sound systems. A experiência autêntica brasileira de sound systems são as aparelhagens dos bailes funks iniciais (sim, do funk carioca) e das festas bregas ao norte do país. Eles – os coletivos e as aparelhagens - ajudam na circulação da informação, democratização da música e a incrementação e autonomia das cenas.



Adriana Prates - Qual a relação entre o uso de drogas e a preferência por música eletrônica?

Cláudio Manoel – Não é a música eletrônica. É a juventude. É claro que uma cena que se espalha, espalha junto com ela os seus elementos – moda, gíria, droga, comunidades virtuais... É que a mídia, que sobrevive da notícia, procura, quase sempre, o caminho mais curto para explicar algo complexo e ganhar audiência.



Cláudio Manoel - O dj e o entorno da música eletrônica hoje são produtos de consumo, resultado da indústria cultural, que se instalou como projeto de marketing para empresas. Dj e sua música são mídias - exatamente o contrário de alguns anos atrás. O que é o consumo, quando o tema é o dj?

Adriana Prates - Esta sua questão propicia várias possibilidades de análise... poderíamos falar em consumo no sentido da fruição desta música e dos ambientes onde ela é executada ou do consumo como a aquisição de elementos materiais, como, por exemplo, discos e demais artefatos relacionados à esta música ou à outras preferências concebidas como próprias de seus apreciadores, por exemplo. Mas você mencionou a questão do marketing e isso remete especificamente à forma atual de operação das grandes empresas, através de segmentos de mercado, contando, para auxiliá-la nesta tarefa, com um poderoso aparato publicitário, técnicas de pesquisa, etc. A comunidade eletrônica precisa construir uma postura crítica em relação a essas questões. Em relação a este ponto, lembro de uma discussão ocorrida na lista do Pragatecno, faz algum tempo, a respeito de qual, dentre os festivais de música eletrônica, tinha o perfil “mais comercial”. Na berlinda estavam o Skol Beats, o Sonarsound SP (patrocinado pela Nokia). Algumas pessoas defendiam que o Sonar possuía um perfil “menos comercial”, por ter trazido artistas de Minimal, uma tendência ainda pouco conhecida, naquela época, aqui no Brasil, e que o Skol Beats possuía o caráter “mais comercial”, por trazer artistas de tendências já mais disseminadas. Essa discussão, a meu ver estéril, tornou evidente que as pessoas não conseguiam perceber que no fundo todos esses eventos são a mesma coisa: ações de marketing cuja finalidade não é apenas promover uma marca de celular ou de cerveja, mas que objetivam, especialmente, criar um senso de grupo, de pertencimento, relacionado ao consumo da música eletrônica. Em última instância, estamos diante do mesmo tipo de lógica mercadológica que motiva uma empresa a patrocinar um rodeio ou um torneio de tênis, por exemplo: propiciar um espaço onde se favoreça a constituição de uma relação entre a preferência por um determinado estilo musical, esporte, seja lá o que for, e outras opções de consumo.

*matéria publicada na revista GLOBAL BRASIL no 07 (2007)




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